Interdição e curatela – Nomeação de curador provisório
O Estatuto da Pessoa com Deficiência (EPD – Lei nº 13.146/2015) e o novo Código de Processo Civil (CPC – Lei nº 13.105/2015), que entraram em vigor no ano de 2016, trouxeram importantes alterações acerca da capacidade civil das pessoas e dos institutos da interdição e da curatela. Nos termos do art. 4º, inciso III, do CC, alterado pelo art. 114, do referido estatuto, as pessoas que “por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade” não serão mais consideradas absolutamente incapazes, mas poderão ser submetidas à curatela que, na forma dos arts. 84 e 85 do EPD, tem caráter extraordinário e afeta somente os atos de natureza patrimonial e negocial.A partir da nova legislação, instaurou-se grande debate acerca da permanência do instituto da interdição no Direito brasileiro porque o EPD, segundo respeitáveis opiniões, o teria eliminado, mantendo apenas a curatela como forma de proteção da pessoa com deficiência. No entanto, o CPC, que entrou em vigor meses depois, manteve expressamente a interdição, reformulando as regras procedimentais para a sua decretação, havendo quem diga que o instituto teria passado por um processo de renovação, e hoje interditam-se atos, e não pessoas. A jurisprudência vem admitindo a manutenção do instituto, sempre com o fim de proteger a pessoa impossibilitada de exprimir a sua vontade, como se vê dos julgados colacionados, destacando-se a recente decisão do TJSP (Apelação nº 1007607-79.2015.8.26.0565), que confirmou a interdição de um portador da síndrome de Down, reconhecendo a sua incapacidade absoluta, em caráter permanente, para todos os atos da vida civil, e não só para os de natureza patrimonial e negocial, como prevê o EPD.
Contudo, há entendimento divergente, na Apelação nº 1.0003.14.003754-4/001, do TJMG, que indeferiu o pedido de interdição, sob o fundamento de que o Estatuto teve a clara intenção de suprimir a interdição e substituí-la pela curatela. É importante salientar que, não obstante a controvérsia apontada, tanto as normas do EPD como as do CPC convergem para a maior proteção da pessoa com deficiência, assegurando-lhe o exercício pleno de suas capacidades, valorizando o princípio da dignidade da pessoa humana e reduzindo a intervenção do Estado aos estritos limites de suas necessidades. Quanto ao procedimento da interdição e da curatela, o CPC adotou rito mais humanizado como, por exemplo, a substituição do frio interrogatório judicial pela entrevista minuciosa, que inclui indagações sobre as suas “vontades, preferências e laços familiares e afetivos”, e facultou a realização da perícia por equipe multidisciplinar, mais abrangente que o simples exame médico. Para tornar o procedimento da interdição mais seguro, a nova lei processual impôs maior rigor ao procedimento, exigindo do requerente a prova prévia de sua legitimidade, a especificação de todos os fatos que demonstrem as limitações do interditando, a informação sobre o momento em que elas se revelaram e a juntada de laudo médico para comprová-las. De modo geral, estas exigências têm sido observadas pelos tribunais, que não hesitam em indeferir os pedidos que não atendam a tais requisitos, ou que não preservem a dignidade e o patrimônio do requerido. Sempre com o fim de proteger e acautelar os interesses da pessoa com deficiência, o novo CPC autoriza o magistrado, em caso de relevância e justificada urgência, a nomear curador provisório para a prática de determinados atos.
No entanto, como a medida é considerada extrema, passível de acarretar prejuízos de difícil reparação se equivocadamente concedida, porque pode implicar o afastamento do interditando da gestão dos seus bens e até a retirada de sua capacidade jurídica plena, só deverá ser deferida se houver certeza da incapacidade dele para a prática dos atos apontados e juízo adequado sobre os riscos relativos ao seu patrimônio. Com a devida cautela o Judiciário vem entendendo que, para a nomeação do curador provisório, não basta a probabilidade do direito – é necessária a demonstração cabal da incapacidade ou das limitações do interditando, só alcançada por robusta prova documental, incluindo o laudo médico, que deve ser anexado à inicial. Em caso de dúvida, há de se indeferir a nomeação do curador provisório até que a perícia médica seja realizada e a instrução concluída. Neste sentido, os Agravos de Instrumento nº 5306479.63.2016.8.09.0000, do TJGO, e nº 1.0000.17.009784-4/001, do TJMG, nos quais a medida foi corretamente indeferida porque a urgência não foi justificada e não havia prova concreta e induvidosa da incapacidade do requerido, salientando-se que, neste último caso, a curatela provisória foi negada, ademais, porque havia forte evidência de que a sua concessão pudesse acarretar grave prejuízo ao patrimônio do interditando.
Finalmente, pode-se afirmar que os tribunais brasileiros, acatando os relevantes avanços trazidos pela nova legislação, têm pautado suas decisões pela valorização do princípio da dignidade da pessoa humana e pela proteção daqueles que não conseguem exprimir sua vontade, com a preservação dos seus direitos fundamentais e, na medida do possível, de sua autonomia, como se conclui da análise dos acórdãos selecionados, cuja leitura recomenda-se para maior compreensão de tão relevante matéria.
Fonte: Boletim AASP nº 3057 | Dina Darc Ferreira Lima Cardoso Advogada graduada pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Integrou o Conselho Diretor da AASP.